Ela chegou aqui com sotaque lacanês, fazendo uso de termos e conceitos que precisei de tempo para compreender. A minha escuta estava emperrada e dura.
Foi necessário fazer interrogação com o rosto, com palavras, para que ela introduzisse outros termos – mais acessíveis – que traduzissem aquilo que parecia ser herança de outras análises.
Cheguei a me perguntar como teria sido útil ter estudado um pouco mais Lacan, para entendê-la melhor.
Ainda assim, sejamos sinceros: não seria suficiente!
Quando queremos nos esconder, utilizamos recursos mil e variados: desde teorias rebuscadas até falas jocosas, silêncios inquietantes ou o falatório desenfreado e vazio.
Porém, o que acontecia ali era algo bem particular: ela era analista como eu! E confessemos: ser analista de outros analistas pode ser tarefa exigente por demais!
É que nós, analistas, temos talento de nos tornarmos pacientes difíceis quando nos sentamos no divã.
Habituados que estamos ao ofício, aprendemos a falar de nós em termos técnicos e concentuais. Perdemos a naturalidade das palavras, a ingenuidade, a surpresa da espontaneidade.
Por isso, era necessário ir com ela para além dos conceitos, das palavras difíceis, dos clichês e da racionalidade que nos impedia de nos tornarmos mais próximas e íntimas.
A culpa não era do teórico de cabeceira, nem dos conceitos (brilhantes diga-se de passagem!), a armadilha era que toda a teorização servia só como meio de mantê-la distante, escondia de mim, de nós, com a falsa ilusão de controle sob o cuidado que deveria lhe sustentar.
Ela não resistia às grandes e brilhantes interpretações – essas ela já as trazia de casa, a tiracolo!
O que ela temia (e resistia!) era à dependência, à intimidade, em ser vista na sua pequeneza, na sua pobreza, no seu desamparo que bagagem teórica nenhuma conseguiria esconder!
(E eu precisa ser certeira – antes que ela fosse embora convencida de que os winnicottianos não dão mesmo conta do recado!)